segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Ela erra.

Ela poderia ter feito isso. Ela poderia ter agido assim. Se ela tivesse feito dessa forma.

Mas só ela estava lá naquele momento, vivendo aquele momento e ciente que as consequências das escolhas daquele momento seriam vividas apenas por ela. Nenhum dos bons espectadores arcaria com os ônus e os bônus de suas escolhas, nenhum deles estaria lá para comemorar ou sofrer os próximos passos com ela. Todos estariam lá novamente tão somente para exercerem suas opiniões não solicitadas, nada fundamentais e rasamente embasadas.

Aos dedos apontados ela deu a indiferença. A indiferença habitual que recebia aos seus gritos de socorro, as suas duvidas existenciais, as suas incertezas ante as crueldades do mundo. A indiferença que ela praticava agora era artificialmente construída como um decalque do que recebia ao longo da vida. Não sabia de fato desdenhar, então vez ou outra cai na armadilha de confundir uma mera critica com um apoio sincero e construtivo. Também tendia a aceitar que o que não mata fortalece, certamente uma dessas ideias de quem não sabendo odiar, olha a rasteira como uma marca daquele momento, fixa no tempo congelado a ação de quem lhe desprezou.  Ela ainda vai se convencer que para dar a rasteira se prepara o terreno, se mede a distancia, se calcula a força, se marca a perna, se projeta a queda e mesmo antes de derrubar o oponente a rasteira já foi dada. O que não mata também te enfraquece lentamente.

Não há ninguém onde ela está. Aquele lugar nem sempre lhe pertenceu porem chegou a ela com muitos avisos que ao viver não se nota, a não ser, em retrospectiva comentada pelos cálculos dos erros e acertos. Assim todos sabem a resposta, a postura, a conduta, a ideia, a razão, a ação, o silencio e até o pensamento. Ela não teve ensaio, está ali no ato, naquele momento que não tem volta. E se tiver volta ela não sabe se acertará nessa nova hora.

Antes ela considerava possível nunca errar, agora já ajeita as ideias para não se arrepender das coisas não vividas. Agora projeta os erros, ajusta nas suas medidas, calcula os tombos, a subida e erra. Erra com o erro, erra com as medidas, erra com os tombos e com a subida. Erra tanto que em alguma medida acredita que acertou e segue tentando não errar sem propósito.  Aos dedos o desprezo cultivado sem ódio, afinal na justa medida eles já nascem de outros erros, os erros dos pródigos em verdades que só cabem aos outros.

É solitária a posição daquele lugar. Certamente como o é de todos os outros lugares que ela e qualquer um já ocupou. Mas ela tenta aprender com outras e outros que próximo aquele momento fizeram suas escolhas, tenta tirar a justa medida das possibilidades, fazer previsões, calcular o raio de coisas inconcretas. Ela realmente acredita que ira errar na justa medida do acerto. Tola.

Tragicamente sua tolice não é um erro calculado. É desses erros que em prospecção retroativa brilham aos olhos que vertem as lágrimas das consequências. É daí que saem essas medidas ingênuas que tiramos da vida nas escolhas por errar considerando que na junção de dois erros sairá um acerto. Não. Não. Não definitivamente. Após dois erros o terceiro já aponta. É uma sorte, uma coragem, uma corrida sair dessa conta. Por fim ela sabe que poderia ter feito tudo de outro jeito. Poderá sempre errar ou acertar desse, daquele e de outros tantos feitos.

Autora: Pauliane Brito

*Contem palavra de recriação poética da autora.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Ela sabe que é inconstante.

 

Ela não sabe ao certo o que deseja. Não sabe se quer ser a mulher forte e independente que atrai olhares de admiração, que se sente segura, forte, equilibrada e capaz de ser e estar sozinha ou se quer viver o conto da Cinderela, Bela Adormecida, Branca de Neve e Ariel juntos.

É muita indecisão que a mata por dentro, que a consome, alimenta suas angustias e devaneios. Tem dias que acorda pronta para ser a protagonista idealizada de filme feminista clichê ortodoxo moderno. Meditar, Malhar, cozinhar, trabalhar, estudar, protestar, cuidar, gozar, em fim realizar todas as tarefas cotidianas esperadas das super preparadas, vencedoras, dinâmicas e bem resolvidas mulheres modernas. Em outros dias, ela quer ser acordada pela ligação do príncipe por quem é e sempre foi apaixonada, pelo café da manha na cama, pelas flores com a mensagem romântica, pela mensagem de texto que diz “saudades e desejo de você”. Ela quer ao final da faxina borralheira encontrar aquele brilho de esperança em dias melhores, um abraço reconfortante de carinho, uma fala carregada de amor apaixonado sem reservas, a ardência dos beijos e das promessas ou mesmo vestígios dele, seu príncipe salvador.  

Ela quer ter as duas coisas, quer ser a heroína que salva o mundo e a donzela salva por ele. Quer que todos a reconheçam pelo perfume e ao mesmo tempo ser invisível na multidão. Não aceita nada menos que a total felicidade, mas por muitas vezes se contenta em andar segura pelo vale das sombras, que agonizam ao seu redor aviltando seus sonhos.

Ela sabe que é inconstante. Luta freneticamente contra seus monstros diários, sua mente incessantemente ávida por novos conflitos, amores, projetos, desejos. Cria contos e contos, todos passados, repassados, vistos e revisados apenas na mente desequilibrada dela. Sabe, mesmo que ninguém suspeite a sua volta, que é ansiosa, é obsessiva. Tem suas amarras a realidade que funcionam como válvula de escape. Procura sempre um ponto de foco e se agarra na tentativa de equilíbrio. Se segura a qualquer corda lançada, por outros ou por ela mesma em tempos passados e que ali no chão permaneceu sendo tomada pela poeira, na esperança de não voar tão alto quanto a queda possa despedaçá-la por completo. Tem medo de remontar pedaço que pouco a pouco deixa de reconhecer.

Quanto mais mexe em sua mente, menos sabe quem encontra, se a menina bagunceira ou a mulher organizada. É que essa menina não a deixa, ela gosta de coisas acabadas, prontas, arrumadas, na ordem das coisas certas, das certezas que só a ingenuidade de criança permite acreditar. Então essa menina bagunça tudo o tempo todo tentando arrumar. Ela não entende que a mulher aprendeu a duras penas que não existem linhas retas solidas, são caminhos de corda, ora frouxas, ora rígidas que trilhamos melhor quando aprendemos que é preciso um pouco de desequilíbrio para equilibrar. Mas a mulher organizada, olha saudosa pra menina que vivia suas certezas na corda bamba, se atirava de precipício, não marcava alvos, não mergulhava nos erros, coletava as estrelas e brilhava com elas. Para a mulher essa menina não fez as escolhas. Flutuou na bruma da sorte, dos acasos, dos achados, na idéia fixa de manter tudo arrumado.  Agora a mulher quer escolher, fazer o caminho, sem nada deixar porque o que a menina coletou no caminho, são sem duvidas estrelas.

Essa é ela sem ser. Se escondendo, se mostrando, se reinventando, reaprendendo a ser, sendo, se fazendo e desfazendo. Ela, as vezes, é a mulher moderna que quer brincar de conto de fadas, a princesa que quer rasgar as paginas doces escrevendo novas historias com aventura, a menina corajosa que entendeu que é hora de crescer, a mulher que nunca foi, a menina que sempre será e a coragem que todas as possibilidades lhe obrigam a ter.

Autora: Pauliane Brito.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

LOUCA DE LUTO

A cada copo uma lembrança, a cada giro no salão a certeza que ele nunca mais.

O primeiro gole foi de negação.

Mas como nunca mais? Como se mesmo agora engolindo o orgulho a goles de cerveja ele ainda era o infernal centro de meus devaneios? Além disso, nunca mais é muito tempo. E o ditado já avisa que nunca se deve dizer nunca. Porra é melhor outra roda pra essa convicção descer na minha mente.

Eu nego que tenha perdido a cabeça. Na verdade eu estava lá inteira e plena vivendo algo que eu sabia era passageiro. Não é porque liguei, mandei mensagens, áudios, fotos, vídeos e presentes que eu tenha sido invasiva. Prefiro me entender como obstinada, convicta, uma mulher fortemente apaixonada se entregando ao amor da vida dela. Não tenho culpa se também era o amor dela, o marido dela, o pai dos filhos dela. Não tenho culpa se havia uma vida deles.

O segundo gole foi de raiva.

Como não gostou? Como assim sou louca? A verdade é que ele gostou sim, ficou com medo, mas gostou. Qualquer um gosta de atenção, demonstração verdadeira de afeto genuíno. Gritar comigo, me mandar ir embora, jogar meu sapato pra fora foi demais. A vontade é de entrar lá agora e meter a mão na cara dele, da uma joelhada dessas que homem nenhum consegue levantar, quebrar todos os porta-retratos daquela casa. Fazer ele parar de bancar o santo nessa porra.

Sim, eu estou com raiva! Furiosa. Pronta pra fazer ele pagar o que me deve. Eu me entreguei, mergulhei no ar sem pára-quedas e só agora ele diz que é demais. Não sou destemperada, sou intensa. Vivo minhas emoções de forma verdadeira e sincera, não fico me escondendo por traz de mascaras. EU NÃO SOU LOUCA! Ela tem culpa nisso. Sei bem que ela é passado, uma amarra, um embuste na vida dele, é fácil ver isso. Que ódio dessa sua culpinha suja por causa dela.

O terceiro gole foi de negociação.

Pensa bem se isso pode ser considerado o fim? Será que consegue mesmo manter essa sua ultima palavra? Duvido. Ele gosta de mim, tem que admiti. Se não gostasse de tudo isso, não teria aceitado os presentes, pedido mais vídeos, ouvido todos os áudios, estimulados as fotos, respondido as mensagens, atendido as ligações. O que ele esta fazendo agora é covardia, escondendo de se mesmo que tudo isso que vivemos tem importância. Não entendo esse medo de ser feliz.

Tudo que eu quero é que ele aceite essa troca. Não há nada de errado em querer que ele pense bem antes de fazer essa escolha. Depois de comparar eu e ela certamente vai entender que sou seu destino. O que eu sinto, a forma como me entrego sem nada pedir é a forma mais pura verdade e forte de amor. Se ele pensar bem não fica com ela. Ele ficou todos esses anos ao lado dela e ainda dá suas escapadinhas porque ela não o satisfaz. Os filhos só servem pra prender. Aposto que ela vive reclamando, eu ao contrario sou bem resolvida, amorosa, fogosa e vou te levar a loucura. Que raiva dessa sua pena dela. Isso só pode ser pena. A história de vocês já era, hora de coisa nova. Acredita.

O quarto gole foi de tristeza.

Como posso ter me entregado tanto assim? Como controlar essa vontade de chorar? Estou sozinha. Sozinha nessa vertiginosa loucura de você. Segui na sua direção sem proteção, sem medir os riscos. É uma vergonha minha insensatez, achar que as migalhas que me dava apontavam um caminho de salvação da solidão em que me coloquei. Só de saber que não haverá nós sinto um nó na garganta. Os planos que fiz foram saindo com maquiagem, unhas postiças e o salto alto que já apertava.

Estou triste. Foi preciso tudo isso pra ver a loucura que escolhi viver sozinha. A grama do vizinho é verde porque foi regada, eu queria deitar nessa grama pulando o muro, invadindo a casa. Ele escolheu ela. Ela foi a escolha dele. Eles tem uma história, uma família, um passado e um futuro. E eu invejando ela, desprezando o que tinham porque queria tudo pra mim. Quero o pote de sorvete, a panela de brigadeiro e o filme romântico brega pra me consolar. Mas agradeço as amigas pelo balada bar também.

A quita rodada foi de aceitação.

Admito fiz a louca! Passei dos limites por muito tempo e dei motivos pra aquele grito de basta. Enchi o copo de cada coisa que fiz nesses meses e a gota d’água foi essa chegada inesperada. Chegar assim na casa dele de Sobretudo e nada de roupa. Porra eu sou louca. E se ela chega, nos pega na casa, me vê lá na farra? Estava ferrada. Destruía uma família por uma boa pegada. Esquece, volta e ajusta. É nunca mais com certeza!

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Eu desejei você

Eu desejei você. Eu desejei a sua mão no meu pescoço alisando meu rosto, seu olhar no meu, o seu carinho antes do beijo. Eu desejei a sua mão na minha cintura me esticando em sua direção, segurando meu pescoço, me beijando com ardência e carinho. Eu desejei que me desse o beijo que esperei por tanto tempo.

Eu desejei você. Eu desejei a sensação da sua mão na minha cintura subindo pelas costas até me aproximar ainda mais de você. Eu desejei seu beijo gostoso prolongado terminando no seu sorriso. Eu desejei seu olhar nos meus olhos refletindo o quanto está a arder de desejo por mim. E desejei segurar o seu pescoço na hora do beijo fazer carinho no seu cabelo, me deixar solta, leve, vivendo o momento, curtindo a sensação de você em mim.

Eu desejei o seu toque. Eu desejei a sua mão na minha cintura, o toque pele com pele, a sensação de ser tocada por você. Eu desejei sentir que me queria, sentir que seu desejo ardia por mim. Eu desejei ser desejada por você. Eu queria estar na sua frente, esta sentindo o seu desejo ardente, olhos nos olhos. Eu queria sua mão subindo da minha cintura dentro da minha blusa acariciando minha pele até chegar os meus seios, apertando, olhando nos meus olhos, me segurando pela cintura.

Eu desejei você tirando a minha blusa, me olhando tirando a sua blusa. Eu desejei você me abraçando falando no meu ouvido o quanto aquilo era gostoso. Sua pele na minha, seu calor no meu, sussurrando no meu ouvido o quanto me desejava, o quanto me queria. Eu realmente desejei que tudo isso acontecesse inocentemente sem premeditação, dessas coisas que simplesmente acontecesse por obra do acaso do destino e do segmento da minha libido pelo segmento do seu anseio por mim.

Eu desejei que esse desejo tivesse fim, que esse beijo, que esse toque, que esse peito apertado, que essa mão ardente, que esse olhar forte, fosse tudo o que eu teria desejado. Mas a verdade é que não foi assim. A verdade é que você se apoderou de mim, dos meus pensamentos, dos meus desejos. Eu perdi o compasso, perdi a trilha, virei de cabeça para baixo e segui.

Eu segui no desejo de você, de todo seu corpo, de todo seu toque, de tudo o que eu queria viver com você. Eu segui desejando seu sexo ardente, forte e penetrante com tapas, mordidas, beijos e lambidas. Eu segui desejando cada socada cada gota de suor. Seguir desejando e quanto mais desejava mais tudo eu queria, mais tudo em mim te queria.

E o desejo do seu beijo se transformou no desejo de você inteiro, de tudo o que vinha com você. Então mesmo antes do prazer toda nossa história estava escrita porque eu desejei o seu beijo. No final de todo desejo gozei... só pelo desejo do seu beijo.

terça-feira, 19 de maio de 2020

O amor tem gosto de caju.



O amor tem gosto de caju. Caju recém colhido, lavado no rio, macio, doce, esponjoso, azedo, maduro, carnudo, verde, duro, saboroso, intragável, guardados na barra da camisa suada. Tem um pouco de fome no amor. Tem a fome real que consome as entranhas e a idéia dessa fome que pode ser saciada antes de sua chegada. Uma fome de ter fome, uma fome de ter e poder saciar essa fome. Tem esse gosto incerto, esperado, surpreendente que um monte de cajus colhidos ao acaso pode proporcionar. O amor acolhido na camisa durante a caminhada precisa ser saboreado. Sem cerimônia.

Nos encontramos duas vezes antes do momento em que me declarei a ela. Eu casado, pai, provedor, com um gosto pela liberdade que as pequenas escapadas me iludem de ter. Ela madura, contrastando um ar de leveza com a preocupação de quem observa um rosto conhecido ante a um momento de incertezas. Estávamos ali sentados um frente ao outro, no silêncio, no misto de constrangimento e tranqüilidade, na certeza da intimidade, na incerteza dessa intimidade.

Éramos voluntários em uma pesquisa sobre confiança e intimidade, realizada por uma faculdade de psicologia. Antes daquele momento, como voluntário havia passado por um questionário bastante invasivo sobre minha vida, uma entrevista individual realizada por um colegiado de três psicólogos e dois meses de sessões com um psicólogo discutindo minhas vivencias de confiança e intimidade. E agora na segunda etapa tudo que era esperado é que eu me sentasse frente a outro voluntario desconhecido, separados por uma mesa de madeira, e trocasse um segredo pela confiança que a intimidade dessa troca seria minha segurança de confidencialidade. Loucura.

Antes de vê-la entrando e se sentando a minha frente eu tinha a absoluta certeza de que mentiria. Contaria cada detalhe meticulosamente inventado de uma história para causar confiança na pessoa besta que sentaria a minha frente. Simularia cada expressão de sentimento, cada descontentamento e contentamento naquele alivio de sincera confiança e intimidade. A história era boa em cada pequeno falso detalhe. E obvio, escutaria com atenção cada palavra que me fosse entregue, confiada. Não porque me importasse, mas pela curiosidade simples a vida alheia.  Eu estava sentado a cinco minutos em uma cadeira confortável, frente a uma mesa vazia, numa sala de cor bege e com luz clara.    

Depois das regras explicadas ficamos a sós. Sem câmeras, escutas, mediadores, interferências, roteiros, sinais de tempo, distrações visuais, sons. Éramos eu e ela. Ela. Eu. Eu, minhas lembranças, minhas inseguranças, minhas certezas inacabadas, um eu adormecido que um eu desconhecido insistia em iluminar. Ficamos em silêncio por um tempo olhando um para o outro até que sem introdução ela me contou que na sua primeira experiência de toque foi abusada.

Seu corpo foi tocado lasciva e despretensiosamente sem que dela emanasse desejo, prazer. Isso ela guardava, não com amargura, mas com pesar das possibilidades que se perderam pra essa primeira experiência. Não falou de penetração, falou de mãos, apertos, fricção. Doeu, em mim doeu. Doeu porque tenho a certeza que já fiz o mesmo em alguém. Então doeu por ela, em mim doeu. Ouvi em silencio obsequioso. Engolia a seco cada palavra, e sem perceber meus olhos de encheram de lagrimas e eu pedi desculpas. Eu senti que devia um pedido de desculpas a ela. E saiu uma voz rouca, embargada, mas firme. Desculpa.

Não sei se era o que ela queria ouvir, desconfio que não. Mas tudo o que queria dizer não passou pela minha garganta, a confusão em minha mente não organizou as palavras. E a culpa em mim por outras em que toquei lasciva e despretensiosamente gritou, CULPADO, desculpe-se. O silencio voltou embrulhado no sorriso dela. A leveza no olhar dela, a cumplicidade daquele momento me pegou emocionalmente desprevenido. Joguei fora a mentira ensaiada e sorrir pra ela com a precipitação de um segredo escorrendo aos lábios.

Quando menino por volta dos quatorze anos fui a casa de campo de um amigo do colégio. Tudo era liberdade. Andar pela mata, comer frutas diretamente colhidas do pé, se banhar em água de rio, aprender a usar um rifle. Toda a liberdade cabia naqueles dias e nada faltava que uma caminhada colhendo cajus não suprisse. Ao final de uma tarde cheguei ao chuveiro externo próximo ao portão de entrada ao curral de vacas com meu amigo. Sentamos em um tronco de árvore para comer os cajus recém colhidos que carregava na barra da camisa. Eu vi uma mulher tomando banho de biquíni.

Ela me olhou sorrindo com um misto de ironia e curiosidade. Assentiu com a cabeça o prolongamento daquela confidencia, colocando os cotovelos na ponta da mesa cruzou os braços em minha direção. Era uma intimidade inusitada. Ela se colocou vulnerável para mim a poucos minutos, se permitiu ser julgada, exposta, mas agora se recolocava no lugar de mulher segura, ciente de si, do entorno e das incertezas. Prossegui fascinado com o que ela ainda despertava em mim, excitado com a possibilidade de compartilhar o que só às minhas lembranças permitir saber.

Era uma mulher jovem. Uma mulher. Seios grandes com bicos duros, coxas roliças, bunda grande. Era bonita de rosto, um sorriso aberto, acolhedor e olhos espertos. Nos conhecemos naquela manhã, na casa de meu amigo, ela me ofereceu ovos mexidos, eu aceitei, ah... ela estava vestida. No chuveiro ela continuou seu banho sem cerimônia. Meu amigo se enveredou a tirar leite das vacas, providencialmente inocente e verdadeiramente distraído. Ela passou xampu nos cabelos e eu hipnotizado com a espuma que escorria por seu corpo.

Cogitei parar o meu relato quando notei que ela tirou os olhos dos meus. Por um segundo me senti inseguro quanto a pertinência daquele momento para aquela confidencia. Ensaiei mais um pedido de desculpas. E quando voltei novamente a encará-la percebi que o bico de seus seios estavam duros e que ela sorriu pra mim, como que encantada pela descoberta da exibição da libido pelo seu corpo. Descruzou os braços lentamente, coloco-os sobre os braços da cadeira em que estava, cruzou as pernas educadamente e assentiu novamente com a cabeça que aquele segredo lhe fosse confiado.   

Enquanto o xampu escorria pelo corpo dela, todo o meu corpo ainda intocado de menino de sentiu ouriçado. Não conseguia tirar meus olhos dela. Ela me chamou de moleque fedorento e me convidou pra o chuveiro. A água estava refrescante. Estava a dois palmos dela quando espremeu seu cabelo em cima de mim, enchendo meu corpo de espuma. Esfreguei meu corpo inteiro tentando esconder minha ereção prematura. Assim que terminou de se enxaguar, abriu espaço para mim, tentei ser rápido, mas o calção não colaborava. Ela virou para mim e me repreendeu por não ter lavado adequadamente o rosto que ainda estava sujo.

Foi estranho vê-la ali parada me olhando contar tudo aquilo sem falar nada. A polidez de seu corpo contrastava com todo o desnudar de minha intimidade, com a intensidade com que meu corpo revivia aquelas lembranças, com o controle que eu me obrigava a ter sobre meu membro já prematuramente ereto. Seu olhar, seu sorriso esse me acompanhavam naquele delírio. A boca macia entreaberta segurando talvez uma língua úmida e sedutora delineando lentamente os lábios, e os olhos ávidos, percorrendo vez ou outra o caminho entre os meus e a linha da minha cintura, olhos curiosos talvez desejosos da descoberta do que a mesa entre nós escondia.

Ela ainda estava a apenas dois palmos de mim quando percebeu que embaixo daquele calção molhado o menino levemente curvado escondia um membro indiscretamente ereto. Não ouve vergonha, recriminação ou qualquer tentativa de supervalorizar aquilo. Sem qualquer cerimônia ela começou a ensaboar meu rosto com o mesmo sabonete que minutos antes vi ela deslizar pelo corpo após o xampu. Olhando nos meus olhos lavou minha testa, minhas orelhas, meu nariz, minha bochecha até deslizar suavemente o dedo nos meus lábios. Meu corpo extrapolou e eu não sufoquei o gemido. Uma mulher. Minha primeira experiência de toque foi com uma mulher linda, gostosa e misteriosa que bagunçou meu cabelo e saiu sorrindo enrolada em uma toalha.

Agora, homem aos 27 anos sentado em frente a essa mulher madura com uma leveza de espírito e curvas ainda desejáveis, me sinto um garoto de aproximadamente quatorze anos, desejoso de mais. Não, esse mais simplista, necessário, carnal, físico. Não esse mais de corpo, não é de toque, não é de gozo. Desejo mais dessa intimidade, desse homem que ela fez florescer no inicio da juventude, desse jovem-homem que se permitiu sentir a suavidade, a segurança e a lascividade daquela jovem-mulher. Desejo mais dessa confiança, cumplicidade que hoje reavivamos.

Sorrindo ela se inclinou para constatar minha ereção. Seus olhos demonstravam satisfação.  Agradeceu sinceramente pela escuta atenta, disse que foi um prazer rever nos meus olhos aquela jovem-mulher que um dia ela foi, mas que abriu espaço para a mulher-madura que ela quer ser. Ela agora tem duas filhas, um segundo marido, um aquário de dourados e ainda usa o mesmo xampu. Rimos. Não desviamos o olhar, não sabíamos como quebrar aquele desejo real que os dois sentiam. Prefiro acreditar que os dois sentiam.

Ela se levantou e antes de sair completamente de minha vida eu lhe perguntei se ela sabia que gosto tinha o amor. Ela disse como se estivesse a ler minha mente que o amor tem muitos gostos, muitas formas e muitos momentos, mas o desejo, passou a língua nos lábios e mordeu suavemente, o desejo garoto tem gosto de caju.

Gênero: Conto em primeira pessoa.

Autora: Pauliane Brito.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

POESIA

"Ela era mar. Revolta, de fases, turbulenta, imprevisível.

  Ela já foi rio. densa, serena, misteriosa, focada.
 

  Ela é piscina. Tratada, límpida, segura, contida.

  Ela ainda é ela, quando e pra quem quer ser."
                                                                   
                                                                    Pauliane Brito

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

POESIA


"Ela ficou furiosa. Ela ficou raivosa. Ela ficou nervosa.

Ela ficou irritada. Ela ficou chateada. Ela ficou preocupada.

Ela ficou cansada. Ela ficou conformada.

Ela ficou calma............................ Ela escolheu não ficar mais."

                                                                               Pauliane Brito