segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Ela erra.

Ela poderia ter feito isso. Ela poderia ter agido assim. Se ela tivesse feito dessa forma.

Mas só ela estava lá naquele momento, vivendo aquele momento e ciente que as consequências das escolhas daquele momento seriam vividas apenas por ela. Nenhum dos bons espectadores arcaria com os ônus e os bônus de suas escolhas, nenhum deles estaria lá para comemorar ou sofrer os próximos passos com ela. Todos estariam lá novamente tão somente para exercerem suas opiniões não solicitadas, nada fundamentais e rasamente embasadas.

Aos dedos apontados ela deu a indiferença. A indiferença habitual que recebia aos seus gritos de socorro, as suas duvidas existenciais, as suas incertezas ante as crueldades do mundo. A indiferença que ela praticava agora era artificialmente construída como um decalque do que recebia ao longo da vida. Não sabia de fato desdenhar, então vez ou outra cai na armadilha de confundir uma mera critica com um apoio sincero e construtivo. Também tendia a aceitar que o que não mata fortalece, certamente uma dessas ideias de quem não sabendo odiar, olha a rasteira como uma marca daquele momento, fixa no tempo congelado a ação de quem lhe desprezou.  Ela ainda vai se convencer que para dar a rasteira se prepara o terreno, se mede a distancia, se calcula a força, se marca a perna, se projeta a queda e mesmo antes de derrubar o oponente a rasteira já foi dada. O que não mata também te enfraquece lentamente.

Não há ninguém onde ela está. Aquele lugar nem sempre lhe pertenceu porem chegou a ela com muitos avisos que ao viver não se nota, a não ser, em retrospectiva comentada pelos cálculos dos erros e acertos. Assim todos sabem a resposta, a postura, a conduta, a ideia, a razão, a ação, o silencio e até o pensamento. Ela não teve ensaio, está ali no ato, naquele momento que não tem volta. E se tiver volta ela não sabe se acertará nessa nova hora.

Antes ela considerava possível nunca errar, agora já ajeita as ideias para não se arrepender das coisas não vividas. Agora projeta os erros, ajusta nas suas medidas, calcula os tombos, a subida e erra. Erra com o erro, erra com as medidas, erra com os tombos e com a subida. Erra tanto que em alguma medida acredita que acertou e segue tentando não errar sem propósito.  Aos dedos o desprezo cultivado sem ódio, afinal na justa medida eles já nascem de outros erros, os erros dos pródigos em verdades que só cabem aos outros.

É solitária a posição daquele lugar. Certamente como o é de todos os outros lugares que ela e qualquer um já ocupou. Mas ela tenta aprender com outras e outros que próximo aquele momento fizeram suas escolhas, tenta tirar a justa medida das possibilidades, fazer previsões, calcular o raio de coisas inconcretas. Ela realmente acredita que ira errar na justa medida do acerto. Tola.

Tragicamente sua tolice não é um erro calculado. É desses erros que em prospecção retroativa brilham aos olhos que vertem as lágrimas das consequências. É daí que saem essas medidas ingênuas que tiramos da vida nas escolhas por errar considerando que na junção de dois erros sairá um acerto. Não. Não. Não definitivamente. Após dois erros o terceiro já aponta. É uma sorte, uma coragem, uma corrida sair dessa conta. Por fim ela sabe que poderia ter feito tudo de outro jeito. Poderá sempre errar ou acertar desse, daquele e de outros tantos feitos.

Autora: Pauliane Brito

*Contem palavra de recriação poética da autora.

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