segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Ela sabe que é inconstante.

 

Ela não sabe ao certo o que deseja. Não sabe se quer ser a mulher forte e independente que atrai olhares de admiração, que se sente segura, forte, equilibrada e capaz de ser e estar sozinha ou se quer viver o conto da Cinderela, Bela Adormecida, Branca de Neve e Ariel juntos.

É muita indecisão que a mata por dentro, que a consome, alimenta suas angustias e devaneios. Tem dias que acorda pronta para ser a protagonista idealizada de filme feminista clichê ortodoxo moderno. Meditar, Malhar, cozinhar, trabalhar, estudar, protestar, cuidar, gozar, em fim realizar todas as tarefas cotidianas esperadas das super preparadas, vencedoras, dinâmicas e bem resolvidas mulheres modernas. Em outros dias, ela quer ser acordada pela ligação do príncipe por quem é e sempre foi apaixonada, pelo café da manha na cama, pelas flores com a mensagem romântica, pela mensagem de texto que diz “saudades e desejo de você”. Ela quer ao final da faxina borralheira encontrar aquele brilho de esperança em dias melhores, um abraço reconfortante de carinho, uma fala carregada de amor apaixonado sem reservas, a ardência dos beijos e das promessas ou mesmo vestígios dele, seu príncipe salvador.  

Ela quer ter as duas coisas, quer ser a heroína que salva o mundo e a donzela salva por ele. Quer que todos a reconheçam pelo perfume e ao mesmo tempo ser invisível na multidão. Não aceita nada menos que a total felicidade, mas por muitas vezes se contenta em andar segura pelo vale das sombras, que agonizam ao seu redor aviltando seus sonhos.

Ela sabe que é inconstante. Luta freneticamente contra seus monstros diários, sua mente incessantemente ávida por novos conflitos, amores, projetos, desejos. Cria contos e contos, todos passados, repassados, vistos e revisados apenas na mente desequilibrada dela. Sabe, mesmo que ninguém suspeite a sua volta, que é ansiosa, é obsessiva. Tem suas amarras a realidade que funcionam como válvula de escape. Procura sempre um ponto de foco e se agarra na tentativa de equilíbrio. Se segura a qualquer corda lançada, por outros ou por ela mesma em tempos passados e que ali no chão permaneceu sendo tomada pela poeira, na esperança de não voar tão alto quanto a queda possa despedaçá-la por completo. Tem medo de remontar pedaço que pouco a pouco deixa de reconhecer.

Quanto mais mexe em sua mente, menos sabe quem encontra, se a menina bagunceira ou a mulher organizada. É que essa menina não a deixa, ela gosta de coisas acabadas, prontas, arrumadas, na ordem das coisas certas, das certezas que só a ingenuidade de criança permite acreditar. Então essa menina bagunça tudo o tempo todo tentando arrumar. Ela não entende que a mulher aprendeu a duras penas que não existem linhas retas solidas, são caminhos de corda, ora frouxas, ora rígidas que trilhamos melhor quando aprendemos que é preciso um pouco de desequilíbrio para equilibrar. Mas a mulher organizada, olha saudosa pra menina que vivia suas certezas na corda bamba, se atirava de precipício, não marcava alvos, não mergulhava nos erros, coletava as estrelas e brilhava com elas. Para a mulher essa menina não fez as escolhas. Flutuou na bruma da sorte, dos acasos, dos achados, na idéia fixa de manter tudo arrumado.  Agora a mulher quer escolher, fazer o caminho, sem nada deixar porque o que a menina coletou no caminho, são sem duvidas estrelas.

Essa é ela sem ser. Se escondendo, se mostrando, se reinventando, reaprendendo a ser, sendo, se fazendo e desfazendo. Ela, as vezes, é a mulher moderna que quer brincar de conto de fadas, a princesa que quer rasgar as paginas doces escrevendo novas historias com aventura, a menina corajosa que entendeu que é hora de crescer, a mulher que nunca foi, a menina que sempre será e a coragem que todas as possibilidades lhe obrigam a ter.

Autora: Pauliane Brito.

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